sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

'A Onda' e seu choque de realidade!

O Cine Clube Devir Cinema exibiu nesta última quinta (18) o filme 'A Onda', de 2008, dirigido por Dennis Gansel. Um filme alemão, baseado em fatos reais, que conta a história de um experimento social realizado pelo  professor de história Ron Jones em uma escola de ensino médio. O filme tem base nesse experimento e no livro homônimo do escritor estadunidense Todd Strasser, de 1981. 

No filme, durante uma semana uma escola secundarista situada no que antigamente era a Alemanha Ocidental oferece aos seus alunos cursos extra sobre política e sociologia. O professor Rainer Wenger (Jürgen Vogel) queria administrar o curso sobre 'Anarquia', com a qual possui uma afinidade maior. No entanto, o curso já tinha um professor titular da escola - aparentemente com uma posição profissional mais valorizada - designado para oferecer a disciplina.

Rainer tenta trocar de curso com o professor, mas a escola não lhe oferece apoio para realizar a troca. Ele tenta negociar com o colega a troca, mas este usa sua posição mais elevada dentro do quadro de professores e se recusa a aceitar abrir mão de ministrar as aulas sobre Anarquia. Rainer precisa se conformar em lecionar sobre 'Autocracia', a instituição de um regime totalitário.

Ele não se conforma com o insucesso, mas se dispõe a dar as aulas sobre um tema que lhe agrada menos. Logo no primeiro dia, a inocência dos seus alunos em pensar que um regime totalitário não pudesse ganhar força na Alemanha após o que foi o Nazismo e a Segunda Guerra Mundial despertou no professor um misto de vontade de mostrar a seus alunos que estavam errados, fazendo-os entrar em contradição, e de necessidade de se vingar do colega que se recusou a ceder-lhe o posto no curso de Anarquia.

Resolve, então, fazer um experimento social com seus alunos de 'Autocracia' durante a semana de duração do curso. Ele os convence a formarem um grupo com regras de unidade similares ao dos regimes Nazi-Fascistas europeus. Esse grupo se chama "A Onda", que dá nome à obra cinematográfica.

Para realizar a crítica a este filme, precisarei falar sobre eventos da trama que acabarão por dar spoilers. Por isso, se você está lendo este texto e ainda não assistiu ao filme, recomendo que você pare neste momento, e procure o filme para assisti-lo, retornando ao nosso comentário logo após. Se você já assistiu, por favor leia o comentário e, se possível, entre em contato após para concordar ou discordar das minhas ideias sobre a obra.

Ao colocar desta forma, automaticamente está reiterado o lembrete de que a presente análise não se pretende uma verdade absoluta sobre os diversos aspectos que compõem a sua narrativa. Sinta-se convidado (a), inclusive, a debater a respeito.

Roteiro de longa com ar de curta-metragem

O roteiro de 'A Onda' produz um efeito interessante em quem assiste ao filme. A sua fluidez é alicerçada por uma história simples e trata de um evento que ocorre no espaço de uma semana. Após os 107 minutos de sua duração, a impressão é que assistimos a algo muito menor do que um longa metragem. Um filme é classificado como longa a partir de uma duração de 70 minutos, pelo menos.

Mas neste filme a história, sua complicação e seu desfecho se dão de maneira tão objetiva que a memória que tenho dele é de uma sensação de duração bem menor. É curiosa a construção de uma realidade alternativa feita pelo cinema, aonde o tempo é quebrado em sua linearidade, construído e reconstruído ao gosto dos autores de cada obra filmada.

Tanto que estou degustando neste momento um filme em que a trama acontece durante 24 horas e tenho a impressão de que este filme dura muito mais do que 'A Onda', aonde temos a aglutinação de 8 dias. Talvez os autores tivessem a intenção de transmitir a aura de objetividade rigorosa dos regimes totalitários com uma história igualmente sem rodeios, com uma mensagem clara, concisa desprovida de maiores rodeios.

De todas formas, é um filme desprovido de efeitos especiais, com narrativa audiovisual totalmente amparada na interpretação de atores e atrizes. Não abundam jogos de sonoridade nem de câmeras para transmitir a mensagem. Na opinião veiculada por este comentário, há uma crueza característica da obra aonde seu produto final (aquilo que o público vê na tela) se aproxima muito de seu roteiro.

Não sugiro, no entanto, necessariamente uma pobreza do aspecto audiovisual. Estou aqui apenas me referindo a uma característica. Penso, a partir desta característica, que o roteiro da obra é preponderante, e, em diversos pontos, a própria obra. Nele, o personagem principal, o professor Rainer Wenger, de acordo com definições técnicas difundidas pela Sociedade Brasileira de Cinema (SBC), tem um arco narrativo situado entre a mudança positiva e o arco plano.

Na mudança positiva traumas anteriores fazem a personagem acreditar em uma mentira e a trama caminha para o protagonista superar esses estado de desconhecimento e tudo de ruim que este lhe acarreta em sua vida. No arco plano, o personagem é conhecedor de uma verdade e tenta mudar todos em sua volta para que cheguem a esse conhecimento, ainda que durante a trama ele chegue a duvidar dessa verdade. Trata-se de um personagem que, de certa forma, "rema contra a maré" e essa é basicamente a motivação de toda a narrativa.

Rainer entra em contato com seus alunos e estes lhe questionam logo na primeira aula o sentido de se ensinar sobre regimes totalitários na escola, porque, afinal, todos já saberiam que o Nazismo foi ruim e jamais iriam querer repetir tudo o que ele representou. Isso tornaria desnecessária a invocação da memória histórica sobre esses regimes para uma finalidade de ensino-aprendizagem.

É ai que Rainer se sente desafiado a provar aos seus alunos que eles estão errados sobre isso. Resolve implantar um pequeno regime nazista dentro da sala de aula. Vai implementando regras típicas de uma mentalidade fascista e vai justificando-as didaticamente. Começa por criar para os alunos um conceito de unidade. Força a que todos os alunos com desempenho melhor se sentem ao lado de alunos com desempenho de notas menor, estimulando com que essas duplas se completem. O todo fortalecendo as partes.

Depois força a classe a usar uma disciplina quase militar em uma série de comportamentos que todos devem seguir dentro da aula. Os obriga a tratá-lo respeitosamente pelo segundo nome, a dar sempre respostas curtas e objetivas a uma pergunta, a se sentarem observando a postura. Institui a utilização do uniforme - que não é obrigatório nas escolas alemãs - sob pretexto de que a uniformização faria com que todos no grupo se sentissem iguais uns aos outros.

Por fim, designa um aluno para que construa um logo para o nome daquela unidade recém formada. O nome escolhido foi "A Onda". E, fechando a cereja do bolo, para aumentar o sentimento de unidade, solicitou que todos aderissem a um gesto de saudação toda vez que se encontrassem pela primeira vez no dia. Os efeitos da disciplina se observam na melhora de alguns alunos durante a semana do curso sobre autocracia. 

Alguns alunos, antes desmotivados por crises existenciais provenientes de problemas familiares - o que é normal na adolescência - passaram a ter mais interesse pela escola, demonstrando rápida melhora de desempenho. Assim, 'A Onda' foi ganhando mais adeptos e o apoio inclusive da diretoria do colégio, que classificou os resultados do método de Rainer como positivos, estimulando o professor a continuar com suas práticas.

Neste ponto o roteiro talvez tenha uma inconsistência com a nossa realidade. Não creio que menos de uma semana, alguns poucos dias, fossem tempo suficiente para que alunos mostrassem essas melhoras de desempenhos que convencessem a diretoria da escola a apoiar Rainer em seu método. Essas constatações em um planejamento pedagógico exigiriam verificar que alunos melhoram suas notas, passam a incorrer em práticas positivas em sala de aula, melhora nas competências dos discentes, etc.

Poucos dias não seriam suficientes para essas constatações a ponto da diretora elogiar e incentivar o professor "nazista". Mas, fora isso, o arco narrativo de Rainer é plano, no sentido que ele era conhecedor de uma verdade - a de que um regime totalitarista pode sim ganhar força em um país, mesmo com uma experiência ruim anterior - e ele rema contra a maré da ignorância de seus alunos lançando mão a um método inusitado e controverso.

Mas a finalidade dele não era gerar um micro nazismo que sobrevivesse após o término do curso sobre Autocracia. A finalidade era mostrar a verdade que ele conhecia para seus alunos, mostrando que eles próprios aderiram a um regime ditatorial durante os 8 dias de aulas. Porém, a certa altura do experimento social, o próprio Rainer parece aderir a essa microfísica do poder que ele próprio gerou, impulsionando seus alunos (até sem querer) a expandir a onda para além do limite didático para a qual ela foi criada.

E seus traumas de vida o levam a, digamos, entrar na "Onda". A certa altura, ele revela que se sente um professor de categoria inferior até mesmo à sua própria esposa - que também é professora - por ter seguido uma formação de menor prestígio entre os profissionais de educação no país. E demonstra orgulho pela dimensão do projeto educacional que ele construiu com seus alunos. Ele acredita que fez algo que lhe rende o mérito, inclusive pelo fato de que alguns alunos do curso de Anarquia solicitaram mudança de sala para poder fazer parte da "Onda".

Em uma discussão feia com a esposa, Rainer esfrega esse "sucesso" na cara da mulher, que responde abandonando a casa e dando início em uma separação abrupta ao fim da relação entre os dois. Traumas antigos fizeram Rainer acreditar - em uma boa fração, eu diria - na mentira de que "A Onda" constituía um sucesso em sua carreira de professor.

Ao fim do curso, as atitudes exageradas de seus alunos o fizeram convocar uma reunião aonde deu ordens aos alunos, que as seguiram sem questionar. Em uma delas, dirigindo palavras de ordem em tom alto - igual a Hitler - Rainer inicia o que seria o linchamento de uma dos alunos que questionou "A Onda" nessa reunião. A ponto de ordenar a barbárie - na qual seria obedecido sem resistência - ele muda o tom e lembra aos alunos porque ele fez tudo aquilo.

Lembrou-os de que 'A Onda' surgiu porque os alunos não acreditavam que o Nazismo poderia ganhar força na Alemanha de novo e que por isso era desnecessário estudar sobre esses regimes. Mas os próprios alunos seguiram um regime totalitário com todas as características do mesmo fascismo que levou a Alemanha à Segunda Guerra Mundial e à sua consequente ruína.

Encerrou a existência da 'Onda' dando essa lição aos seus alunos. Nesse momento, ele deixou de acreditar na mentira de que esse experimento era a prova de seu sucesso profissional como educador, experimentando uma mudança positiva. O problema é que um de seus alunos levou a 'Onda' tão a sério que acabou por usar um revólver, após o professor revelar o objetivo do experimento, para matar um de seus colgas e depois se matar na frente de todos.

O professor termina indo preso. Na vida real parece que os eventos foram um pouco distintos, mas houve um desfecho em que o professor foi proibido de lecionar em qualquer escola, encerrando sua carreira precocemente. No filme, tudo é encerrado com o professor indo preso, alunos horrorizados e sociedade (assim como a plateia do filme) perplexa. Uma sequência da história na imaginação nos faz pensar que ocorreria o mesmo com Rainer igual ao professor da vida real.

Um arco de queda ai talvez também, dado ao fato de que tudo deu errado no final - como é típico desse arco narrativo. Não porque o arco de queda tem outras características que não se verificam na atitude de Rainer. Também nesse arco é necessário um protagonista desde o início mal intencionado e desleal ao longo da narrativa, o que não é o caso desse personagem.

Personagem central este que é o único desenvolvido pela trama com uma profundidade maior. O primeiro ato do filme coloca bem suas características - o professor "diferentão" com pouca moral em seu meio profissional - e nenhum outro personagem é tão evidenciado quanto ele. O segundo ato, que onde um filme desenvolve a "aventura" da trama em si - de acordo com a SBC - reforçará esse sentimento meio de fracasso profissional de Rainer e terminará de mostrar a qualidade de questionadora da principal opositora da 'Onda' no filme, a que chamaremos aqui de a 'aluna de vermelho'.

A personagem Karo (Jennifer Ulrich) também termina de se desenvolver no segundo ato, mas isto não chega a gerar um problema para a narrativa do filme, como é comum acontecer com narrativas que não demarcam a apresentação das personagens no primeiro ato. Essa é uma regra apresentada pela SBC, mas que não é necessariamente de seguimento estritamente rígido.  

Misé en Scene simples para uma mensagem objetiva

A Mise en Scène é um termo francês originado do teatro que em cinema significa "tudo o que vemos em cena". Para a SBC, aqui contam apenas os aspectos de imagem e não de som. Essa é a premissa usada por est comentário. Pois bem, não há grandes variedades no trabalho da Mise en Scéne no que tange aos aspectos narrativos do filme 'A Onda'.

Porém, os poucos aspectos que se verificam à primeira vista estão colocados de forma precisa. Já dissemos, não é um filme de efeitos especiais ou de cenas mirabolantes. É um filme basicamente de interpretação dos atores e de difusão da ideia pretendida. Os ângulos de enquadramento não são tão usados para imprimir sentimentos na narrativa - pelo menos não de maneira tão flagrante.

Na Direção de Fotografia, que cuida diretamente de tudo o que vemos no quadro do filme, o destaque é para a psicologia das cores. De acordo com a SBC, existem funções de associação primária para as cores de um lado, e a simbologia que cada filme dá para as cores dentro de seu próprio universo de significações. Duas cores assumem o centro do palco em 'A Onda': o branco e o vermelho.

As cores frias - que são os tons derivados do ciano, especialmente o azul e o verde - estão presentes também, mas de forma complementar à oposição clara do vermelho com o branco. O branco é a cor escolhida por Rainer para o uniforme da 'Onda'. Outra parte do uniforme é a calça jeans, ostentando o azul sempre associado primariamente à 'frieza' e à 'tristeza'. O autor quis mostrar que a 'Onda' leva seus integrantes à uma triste perda de sua individualidade com essa combinação. Quem sabe?

Mas o branco aqui é símbolo da unidade que representa a 'Onda'. E mais do que perda da individualidade - o que qualquer cor poderia representar estando na lógica de um uniforme - é, na opinião desta crítica, o signo visual que atesta o vazio existencial das personagens que aderem à 'Onda' no filme. Esses adolescentes - como é comum nessa etapa da vida - se sentem vazios de sentido em suas vidas e aquele grupo de características nazistas veio para preencher esse vazio.

Mas o preenche com nada, algo bem representado com esse branco. Apenas uma noção de unidade socialmente construída. A unidade, de fato, não existe. Foi instituída em um discurso com objetivo de dominação. Os alunos foram manipulados por Rainer e o vazio do sentido da vida foi usado para isso. São personalidades vazias à espera de um líder que lhes diga o que devem fazer e como devem se comportar.

O momento mais emblemático dessa unidade "vazia" que representa a onda é a cena aonde Rainer ordena aos alunos que se levantem e comecem a marchar com passos fortes, sem sair do lugar, buscando que o som das pisadas formem um uníssono, aonde formarão uma coisa só. O objetivo, além disso, era perturbar o professor de Anarquia, cuja sala estava situada exatamente abaixo no prédio da escola.

Este momento é o que o branco da unidade passa a representar o fator que leva todo regime fascista a ter sucesso em uma sociedade. A imposição de sua comunicação. No símbolo do filme, os "brancos" nazistas abafam a voz dos opositores pelo uso da imposição, com a força que a unidade lhes dá. É uma imposição violenta e inaceitável. Porque os "fascistas" passaram a impor a sua voz. O branco é a cor usada no filme para capitalizar essas atitudes.         

O outro momento desse aspecto da comunicação é quando Rainer ordena a um de seus alunos que faça uma logo da 'Onda'. O branco passa a ganhar seu complemento com o signo da 'Onda' usado, primeiro em vermelho, depois em preto, que é a sua versão final. Os alunos passam a pichar esse símbolo por toda a cidade, impondo sua unidade para todo o meio social por meio de uma atitude de vandalismo - por tanto, uma comunicação processada em uma ação de violência.

A oposição ao branco é feita pelo vermelho, associada no filme primeiro à 'anarquia', ao 'comunismo'. Uma das alunas questiona a 'Onda' desde o início e acaba por ser discriminada e excluída. A blusa que ela está usando nesses momentos é sempre vermelha. Mas não é bem o sentido inicial o do vermelho o que ele representa no filme. Sim, a garota discriminada o usa mas, para esta crítica, sua finalidade é outra. 

Se o branco é o início motivador da narrativa, podemos dizer ele é a 'origem' dos eventos do filme. A 'causa'. Pois então o vermelho opositor é o 'fim', é a 'consequência' o 'desfecho'. E em se tratando da mensagem crítica do filme, ele representa exatamente o que os regimes totalitaristas, como são o fascismo e o nazismo, acarretam. A moça discorda veementemente da 'Onda'. Ao fim de sua peregrinação em mostrar o mal que aquela unidade 'branca' representa, ela tem uma discussão com seu namorado, que também é integrante da 'Onda'.

E este covardemente a agride, no calor do bate boca, com um soco no nariz. O próprio rapaz se surpreende com sua atitude. Nem ele imaginava que era capaz de algo tão repugnante e covarde que é bater na cara de uma mulher. A garota sangra pelo nariz com a agressão e aí está a função final e verdadeira do vermelho. É o sangue derramado pela violência que a lógica nazista promove ao se desenvolver num meio social.

Essa função sangrenta do vermelho, remetida à 'violência' que é típica do fascismo, aparece em outros momentos da história. Quando Rainer dá carona a um de seus alunos, que insistia que o professor precisava de que alguém lhe fizesse a segurança, ele é surpreendido com uma bola de tinta que é atirada por alguém no para-brisa, deixando o vidro todo manchado. A cor da tinta é vermelha, indicando a oposição à 'Onda' bem como ao caráter violento dessa ação.

O outro momento é no clímax do filme  (a cena para a qual o filme existe e no qual sua história culmina) aonde esse mesmo aluno, ao perceber que a 'Onda' não existe de fato e que era só um experimento social do professor, se mata na frente de todos.

Direção de Arte fundamental na significação

Filmes com orçamento menor como este dependem de um bom desempenho de seus atores - ao qual esta crítica dá uma avaliação de razoável para boa - e de uma boa desenvoltura das demais camadas de um filme, especialmente a direção de Fotografia e de Arte. Esta segunda tem papel muito importante para a simbologia do filme 'A Onda'.

Citamos o suicídio do aluno no clímax do filme, abrindo o final do terceiro ato (e da história), tendo apenas a sequência de planos que constituíram a cena de epílogo - geralmente a cena que dá fechamento mais coeso para o filme. O rapaz primeiro ameaça todos os presentes na sala aonde Rainer revela que a 'Onda' era só um experimento social com intuito de provar aos discentes que um regime fascista pode sim ganhar força na Alemanha outra vez. 

Ele já tinha apontado esse revólver para um anarquista que tentou agredir os membros da 'Onda' quando estes estavam no trabalho de pichar o emblema da unidade por toda a cidade. Quando o rapaz foi questionado pelos amigos pelo perigo de portar uma arma, ele disse que estava tudo bem porque as balas eram de festim.

Quando ameaçou a todos na reunião da cena do clímax, todos acharam que a ele não representava ameaça porque as balas seriam de mentira. Ele então atira para matar um dos colegas e mostrar que a ameaça era verdadeira. Após ser convencido por Rainer a não matar mais ninguém, o rapaz coloca o cano do revólver na boca e dispara a arma, cometendo suicídio em um verdadeiro desastre.

A Direção de Arte é a área do filme que cuida de todos os objetos não humanos que aparecem na tela. Cenários, maquiagens, apetrechos e todos os objetos são de sua responsabilidade. Aqui o revólver representa a força bruta armada do fascismo, à qual seus integrantes vão aderir para tomar o poder à força. O fascismo usa da violência armada para impor sua comunicação, seu regime, e no filme esse revólver aglutina esses fatores.

É por ele que a cor vermelha se manifesta no ato final, mostrando que essa cor é o sangue desnecessariamente derramado toda vez que uma organização nazista se processa e se impõe em uma sociedade. O mesmo vermelho da blusa da aluna opositora. Na cena epílogo, logo após o clímax, essa aluna usa uma blusa com a cor roxa. Essa cor é usada no cinema geralmente para indicar algo bizarro, algo horroroso. É uma cor recorrente nos filmes de terror e horror, por exemplo.

Ela de fato foi esmurrada pelo namorado e a blusa é usada para mostrá-la sobre efeito dessa ação horrorosa que ela sofreu. O objeto identificado como sua blusa, processando a psicologia das cores do filme, fala tacitamente por si e é parte fundamental para a narrativa se processar nesses pontos culminantes da história.

Outro objeto que merece destaque são os panfletos com um manifesto contra a 'Onda' que essa garota de vermelho tenta imprimir e distribuir no colégio. Quando os integrantes da unidade percebem, eles os recolhem e os reúnem para queimá-los. Esse panfletos são a oposição à difusão da logo da 'Onda' e representam a comunicação dos opositores ao regime fascista. Comunicação que esses regimes tentam silenciar a todo custo, como acontece no filme.

Ela consegue distribuir os panfletos durante o jogo de polo aquático que a turma da unidade tem contra outra turma. Durante o jogo, a garota de vermelho consegue sua manifestação massiva contra a 'Onda', o que culmina com a irritação do namorado e a consequente briga aonde este lhe dá o murro na cara. E aqui é a deixa para outro aspecto da Direção de Arte que é justamente os momentos do filme em que os treinos e o jogo esportivo aparecem.

Uma das mostras de que a 'Onda' promoveu algo positivo para os alunos é justamente o desempenho do time de polo aquático. Como se sentiam em uma unidade, os alunos desenvolveram um senso de equipe mais aguçado, o que melhorou o rendimento do time na piscina. O esporte era uma das ferramentas que Hitler gostava de citar como prova da superioridade ariana sobre as outras raças. Isso, claro, até Berlim sediar os jogos em 1936 e a equipe de atletismo dos Estados Unidos, composta majoritariamente por negros, conquistar o maior número de medalhas nos jogos, muito à frente dos atletas arianos.

No filme o esporte é representado por estes momentos do polo aquático - os treinos e o jogo. A 'Onda' fez com que o time melhorasse, mas quando estava para ganhar o jogo decisivo, a agressividade que essa unidade aflorou nos alunos fez com que um deles agredisse um rival que o provocava, levando ao cancelamento da partida. E o treinador do time também era o professor Rainer.

Assim, os objetos relativos ao polo aquático - as sungas, as tocas, os ósculos, a bola e bem como o cenário da piscina junto com as arquibancadas - constituem o meio audiovisual pelo qual a Direção de Arte é usada para gerar significação de maneira tácita no filme. A hora do polo aquático constituem sequências de planos e cenas em que a narrativa descansa os espaços e momentos predominantes do filme - a saber, a sala de aula e a rua - dando um necessário descanso ao público desses momentos e colaborando decisivamente para a fluidez objetiva da mensagem do filme.

Conclusões (preocupantes)  

A 'Onda' é um filme com objetivo de mostrar como um pensamento de ordem fascista pode ocupar o vazio de significado na vida das pessoas e surgir com toda a força em uma sociedade. Mesmo que a história já tenha mostrado todo o ciclo de violência e barbárie que ele promove ao eclodir em qualquer lugar que se manifeste.

É um filme com ritmo objetivo, trabalhado em formato de longa metragem mas cujo desempenho se dá de maneira objetiva na transmissão de sua mensagem, dando (pelo menos para este jornalista que vos fala) a impressão de que se assistiu a um média metragem, no fim das contas. Há poucos furos no roteiro e que não chegam a comprometer a narrativa.

O principal elemento do filme, por incrível que pareça, não está nele próprio mas no choque de realidade que a 'Onda' promove em quem o assiste e se propõe a fazer-lhe uma leitura crítica no seu conteúdo. Elementos daquele acontecimento - que é baseado em fatos reais - estão se processando em nossa sociedade de forma perigosa.

Vivemos em um mundo aonde as pessoas buscam preencher os vazios existenciais seguindo unidades que seguem lógicas muito similares à 'Onda'. Pessoas que estão indo às ruas, por exemplo, para pedir a volta da Ditadura por um novo Ai 5. Isso é grave e poucos se deram conta do real perigo que isso representa.

Como no filme, as pessoas estão justificando que isso é bom para um país. Na ficção, alunos tentam defender que a 'Onda' tinha coisas positivas e que valiam a pena defender. Mesmo que significasse a instauração da violência e o fim das opiniões diferentes às da 'Onda'.

E o final disso, como no filme, se não for combatido a tempo, é o vermelho do sangue e da morte, o horror proveniente da intolerância, o fim dos direitos individuais, tão necessários para exercermos uma humanidade verdadeiramente sadia.

A diferença é que não teremos a opção de desligar o projetor se isso acontecer em nosso "filme" aqui da vida real.

Paolo Gutiérrez é jornalista e crítico amador de cinema.                   

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