domingo, 13 de dezembro de 2020

O 'NOSSO' DILEMA NAS REDES

Skyler Giosondo, no papel do personagem principal fictício
O Cine Clube Devir Cinema encerrou na última sexta (11) com chave de ouro a sua primeira Mostra Virutal. O filme em apreciação foi o documentário dirigido por Jeff Orlowski "O Dilema das Redes". O estilo é de 'Doc Ficcional' usado para uma denúncia aos efeitos perniciosos do mundo digital conectado por encantadoras - mas perigosas - redes sociais (Facebook, Whats App, Instagram e etc.), aonde acontecem as entrevistas com alguns dos homens e mulheres que ajudaram a formatar as tecnologias que servem até hoje de suporte para essas redes, intercaladas com narração introdutória dos subtemas e com momentos de dramatização ilustrativa das informações e ideias veiculadas pelo produto final. Ele perde em seu desempenho geral um pouco de sua força comunicativa. Isso porque escolhe, para esta parte fictícia, uma linguagem hollywoodiana que o assemelha a um filme de baixa qualidade, (mal) copiado dos moldes do cinema estadunidense num nível bastante fraco. 

A certa altura, essa parte "dramatizada" do documentário parece aqueles seriados teen, com predomínio de atores adolescentes em início de carreira e mais propensos a um desempenho apenas regular de suas trajetórias artísticas, o que os deixa mais próximos de papéis adaptados para a linguagem da TV. E ai mais aptos a programas humorísticos filhotes do Chaves - aqueles onde as risadas artificiais de uma plateia imaginária são controladas em volume e intensidade por botões numa mesas de som, como Friends, How I Meet Your Mother ou The Big Bang Theory. Desde já deixando claro que esta crítica não tem nada contra esta vertente do audiovisual e de jeito nenhum visa a menosprezar o trabalho dos atores que transitam por ela - sendo, inclusive, o jornalista que aqui vos fala por escrita fã das séries mencionadas e de vários de seus atores e atrizes. 

A parte deste momento cinema a la "Trapalhões e a Princesa Xuxa", um cinema com desempenho bem medíocre em termos das possibilidades potenciais da 7ª arte, a parte ficcional do documentário se aproxima mais de uma linguagem cinematográfica de fato em uma de suas cenas próximas do desfecho aonde a abertura de plano nos remete a algo parecido com Matrix. Aquele momento em que Neo desperta para o mundo real no ano de 2600 (aproximadamente) e vê toda uma humanidade presa a cubículos recheados de um gel rosado e sendo iludidas de que vivem no fim da década de 90, tal e qual esta foi.

Na verdade estão a vida toda mergulhadas em uma realidade neuro-interativa e tendo sua energia corporal sendo aproveitada por máquinas dotadas de uma super inteligência artificial que acabou por se transformar em uma forma de vida mais evoluída do que os seres humanos. Essa lógica de inferno no sentido mais profundo das teorias comunicativas da corrente "apocalíptica", por assim dizer, da Escola De Frankfurt, em expoentes como Adorno e Horkeheimer, coloca o ser humano irremediavelmente preso às lógicas de domínio de sua própria indústria cultural, caminhando para uma inexorável  autodestruição pela submissão de si mesmo e pelo esgotamento dos recursos naturais para a inquestionável lógica do lucro. 

Esse clima é quebrado pelas cenas finais em que há uma clara mensagem em sentido contrário a um pessimismo sobre o destino final da relação dos humanos as tecnologias e sua própria autoria. O cinema oferecia a este documentário um leque tão grande de linguagens próprias tão mais ricas para esta parte de diegese fictícia, mas seus autores optaram pela via mais pobre que tinham à mão. Falta de orçamento? Falta de visão cinematográfica mais ampla para além das receitas acabadas do cinema estadunidense e sua primazia por um caráter mais industrial da sétima arte? Quem pode saber além dos próprios realizadores da obra, não é mesmo? 

No entanto, não há um pecado original da comunicação, vamos dizer assim, a ponto de tornar a interessante e importante mensagem do documentário inviável ou prejudicada ao patamar da total ineficiência ao se transmitir. E quem assiste a "O Dilema das Redes" deve ter isso em conta para melhor aproveitar o conteúdo trabalhado pelo documentário.   

Nunca é demais lembrar que a presente crítica não se pretende verdade acabada e absoluta sobre a peça cinematográfica em apreciação. É apenas a visão do jornalista a serviço do Cine Clube Devir, Paolo Gutiérrez, a respeito. E, como sempre, o aviso importante de que se por um acaso você está lendo esta crítica e ainda não assistiu ao documentário, veja-o primeiro [Clicando aqui para baixar o filme e aqui para baixar as legendas, salvando os dois arquivos na mesma pasta lado a lado!] antes de prosseguir.   

Vejamos então algumas destas importantes ideias que o "Dilema das Redes nos Traz".

Roteiro orientado para o desenvolvimento de um raciocínio presente em uma denúncia

Tristan Harris, "personagem" principal real 
Pois bem, estamos falando aqui de um Doc Ficcional, um documentário com personagens reais dando entrevistas sobre um assunto pretensamente merecedor do nosso olhar e que, concomitante a isso, trabalha uma narrativa dramatizada para que esta lhe sirva de suporte à mensagem veiculada. A parte fictícia segue o modelo básico de roteiro de Hollywood, com 3 atos se desencadeando - o primeiro apresentando as personagens relevantes da "trama", o segundo colocando a "aventura" em si e o terceiro com o clímax da história, a cena para o qual o filme existe, e um posterior epílogo para complementar e encerrar sem vazios a narrativa.

A parte 'real', segue o raciocínio de um artigo escrito, aonde se apresenta o objeto para o qual o autor lança o olhar, o critica, o problematiza, comprova seu ponto de vista com dados, e finaliza sugerindo soluções para o 'problema'. Os dois eixos do documentário, o 'real' e o 'ficcional', desta forma, convergem para uma grande denúncia de um efeito pernicioso das redes sociais da internet e que pode estar colocando em risco conceitos sedimentados das sociedades em todo o mundo, tais como a democracia, as liberdades individuais. 

E mais do que isso, coloca como as Fake News conseguiram gerar um universo de mediação da realidade aonde grandes mentiras - como a Terra ser plana, por exemplo - chegam ao ponto de serem consideradas verdades incontestáveis por grande número de pessoas. O roteiro trabalha bem organizando essas sequências destinadas a desenvolver esse raciocínio de denúncia. Nada assim revolucionário em termos da linguagem típica dos documentários. Trabalhando com planos aonde os entrevistados estão geralmente sentados, alguns enquadramento intencionais.

O ritmo do filme trabalhada com aquela batida única, recheado de pontos em que se descansa o olhar do espectador para deixar a construção de raciocínio menos arrastada e enfadonha. Alguns pontos de "entrevista" quebram o protocolo do depoimento sentado e colocam o 'especialista' como se estivesse (e está, nessas partes) dando uma palestra, conversando. Assim o roteiro estabelece um andamento mais dinâmico, nos dando sensação intermitente entre estarmos vislumbrando entrevistados desenvolvendo o assunto - como se fôssemos nós os entrevistadores até - e estarmos sentados em uma plateia imaginária dessa "palestra".

O outro ponto de quebra da linearidade para não deixar a linguagem do documentário enfadonhamente arrastada em seu desempenho audiovisual é justamente a parte ficcional, na qual vamos ao universo do pequeno filme ficcional sendo contado para ilustrar a ideia central do documentário. O roteiro procede para gerar uma pequena quebra de momento paralelo entre o momento 'real' e o 'fictício'. O uso dos sons, especialmente a fala dos entrevistados, invade em vários momentos o "filminho", comunicando ao espectador uma leve fusão entre a realidade e a ficção, buscando reforçar o conteúdo transmitido com isso, determinando a imagem que nosso próprio cérebro faz quando nos expõem ideias verbalmente veiculadas.

Nessa narrativa de face dupla, o personagem central fictício tem um arco narrativo da mudança positiva, crê na mentira de que precisa de seu celular o tempo todo para efetuar comunicações válidas e aquisição de informações para as ideias que ele próprio faz do mundo. No final, ele caminha - literalmente - para a superação desta mentira típica de seu arco narrativo e muda de forma positiva para uma relação mais humanizada com a tecnologia, por tanto mais saudável.

Aqui vemos um efeito da fusão do 'real' com o 'ficcional'. Na história contada pelas entrevistas, há um personagem central também, o primeiro e o último a falar. Aquele que aparece dando palestra. O que mais fala durante todo o filme. O ex-executivo da Google, Tristan Harris. Se há uma lógica de artigo escrito em "O Dilmea das Redes" na forma como sua narrativa é construída, este, sem dúvida, seria o autor do artigo. Ele acaba por ganhar um arco narrativo plano, aonde o personagem conhece uma verdade e tenta a todo custo convencer todos ao seu redor desta verdade.

Ele busca mudar o mundo positivamente. E talvez, pegando essa lógica da fusão entre 'real' e ficção', ele consegue mudar uma pessoa - o personagem principal da parte fictícia do documentário, mesmo que este não tenha escutado sequer uma única palavra do que o personagem principal "real" disse.

A Mise en Scéne trabalhando pela denúncia do doc

E curioso que esse efeito fundido de realidade com ficção, de informação com interpretação de atores, coloque em jogo a Mise en Scéne, que é tudo aquilo que vemos no quadro da imagem ao longo do filme. É um termo oriundo do teatro, segundo a Sociedade Brasileira de Cinema, que vem do francês para designar tudo o que está em cena. Para documentários é mais difícil falar neste termo, porque se pressupõe que sua mensagem não se processa por uma ação comunicativa dramatúrgica. Se trata de retratar a realidade e não de gerar uma realidade dramatizada.

Mas, como "O Dilema das Redes" lança mão a um recurso fundido, acabamos por falar na 'cena', e não só para a parte de "mentirinha", encenada por atores. Por exemplo, no primeiro momento de palestra do personagem principal 'real', a plateia está vazia. É o cenário mostrando o que ele diz no começo, que se atentou para os efeitos perniciosos das redes na internet, dentro de uma das gigantes, para a qual ele trabalhava. Foi mostrado com um aspecto de cenário como o discurso veiculado pelo documentário é um discurso que não interessa às pessoas de um modo geral. Uma Direção de Arte ai talvez agindo para se veicular um aspecto da narrativa - o "personagem" central remando contra a maré em seu arco narrativo pano?

A cena ficcional mais comum é uma sequência de planos aonde três pessoas estão em um lugar fechado, tentando formatar o avatar do personagem principal ficcional. No início, ele é um boneco disforme, e, à medida que o filminho vai passando, ele vai ganhando cada vez mais o formato humano e preciso da pessoa a que ele corresponde. Estes três personagens aqui representam os algoritmos das redes sociais cuja tarefa é usar informações disponíveis sobre os usuários da rede para lançar em sua tela particular informações e promoções que o manterão mais tempo conectado e que o estimularão a dar mais cliques - o que aumenta o lucro dos donos dessas redes sociais.

O avatar ai seria um boneco virtual que vai se transformando, mostrando como os algoritmos passam a nos conhecer tão bem que a projeção que fazem de nossas pessoas é cada vez mais perfeita. Falaríamos ai de uma Direção de Arte Virtual, possivelmente? Alguns dirão que não porque se trata de um efeito especial, o que não entraria como um "objeto", uma "coisa", por tanto fora da jurisdição da Direção de arte. Mas esse efeito é um "objeto" dentro da narrativa do filme. De repente ai, ele é uma categoria supra de substantivo, usada com a lógica de uma Direção de Arte, na opinião desta crítica. 

Se Bruno Albuquerque, sócio-fundador da Sociedade Brasileira de Cinema (SBC), cujo curso sobre as 7 camadas de um filme são a base para todos os conceitos técnicos trabalhados nesta crítica, pudesse algum dia dar sua valiosa opinião sobre isso - ou outros especialistas em cinema - seria de grande valia. Mas a discussão não interessa no momento. Aqui o avatar na verdade é ponto de partida para outro aspecto de cena presente tanto na parte 'real' como na parte 'ficcional' do documentário.

Primeiro, esse avatar é formado, predominantemente, por jovens. É um jovem no avatar específico que colocamos, são os jovens no conceito que representa o avatar dentro do filme. Os 'especialsitas' que dão entrevista analisando o aspecto ruim da rede social - e que é denunciado pela ideia central do docuemntário - são todas pessoas com idade mais avançada. Ou jovens adultos acima de 30 anos pelo menos. Nas duas linhas de narrativa fundidas - a 'real' e a 'encenada' - todos os principais afetados pelo aspecto pernicioso da rede social são jovens. Nenhum depoimento de pessoas "conscientes" desses efeitos é jovem, no sentido extremo da palavra - adolescente ou jovem adulto na faixa dos 20.

O que delimita a denúncia do filme a um público específico. Nesse aspecto, quando a "palestra" do personagem principal da realidade vai ganhando mais público, este é o de pessoas mais velhas. As pessoas mais novas não fazem coro ao que está sendo denunciado. Talvez isso explicasse a linguagem cinematográfica teen da parte ficcional do documentário? Uma tentativa de que seu conteúdo pudesse ser eventualmente assistido por alguém extremamente jovem? Uma tentativa de diálogo com esse público, ao se tratar de um tema que é "chato" para adolescentes? 

Se sim, ai talvez uma linguagem cinematográfica mais rebuscada talvez fizesse esse propósito se perder. Adolescentes não ligam para o desempenho artístico do cinema. Não consomem cinema mais "intelectualizado", por assim dizer. Abandonam um filme se ele exigir demais do cérebro do espectador. É uma possibilidade bastante real. O conteúdo da parte 'real', com informações e discussões, só é interessante para alguém de uma geração anterior a essa que temos hoje. Faria todo o sentido inclusive na escolha do ator da personagem principal - alguém que se parece com um jovem normal, um adolescente ainda na escola e começando a sua jovem vida com todo o tempo pela frente.

Como se os autores dissessem, "nosso personagem real é um adulto mais envelhecido transmitindo uma mensagem que pessoas mais velhas estão aptas a ouvir, a ter paciência para processar, por isso precisamos de uma parte fictícia que possa dialogar com esse público jovem em alguma media". Talvez (talvez) seja esse o motivo da parte ficcional mais fácil de digerir por um público menos experiente, mais inquieto e, por esse mesmo motivo de hormônios mais intensos pela pouca idade, menos toletrante com um produto final audiovisual mais intelectualizado. É uma possibilidade.

O segundo aspecto desse momento do avatar em formação, é o cenário. Os planos entre os 3 algoritmos formando um boneco cada vez mais perfeito geralmente são entre médios e americanos. Ainda quando mais abertos - um nível acima do plano americano, que pega dos joelhos para cima -, se vê que eles estão em um lugar fechado, restrito e específico. Perto do final do filme, chegando no 3º ato e no clímax, esse plano irá abrir para um plano geral aonde se percebe que os algoritmos lapidam o avatar em um cubículo.

E que centenas de milhares de outros cubículos (assim sugere a imagem) iguais a esse estão processando a mesma atividade. Uma humanidade inteira dominada por uma inteligência artificial. A tomada de empréstimo de Matrix em temática, fotografia e direção de arte aqui é inegável! O interior do cubículo é escuro, e tem como predominante a cor azul na iluminação. Essa cor fria, geralmente usada pelo cinema hollywoodiano para expressar tristeza, representa uma aspecto de "falta de humanidade" neste documentário em apreciação. Isso é óbvio! Querem transmitir que é "triste" o que está se fazendo com o usuário da rede social - especialmente com o usuário jovem.

Nesse plano mais aberto que mostra os cubículos, e no qual o espectador é convidado a se sentir como Neo quando acorda da Matrix pela primeira vez, as bordas dos cubículos estão em vermelho, cor usada comumente para manifestar uma situação de perigo, pela associação do vermelho com o 'sangue' oriundo de violência, com o sinal de alerta no trânsito com o "pare" das placas e do sinal do semáforo. A Mise en Scéne comunica ao espectador, de forma silenciosa, que a atividade dos algoritmos é 'desumana', 'fria' e 'perigosa'. 

Essas cores e jogo de luz são amiúde usadas no reino 'real' do filme. A maioria dos entrevistados está depondo em um local de luz baixa e quase todos usam roupas que fogem das cores mais 'quentes', as alaranjadas, que remetem à alegria. A maioria usa roupas ou em branco e preto, ou em azul. Marca a seriedade do assunto, a gravidade do que está sendo veiculado. Que esse cubículo representado pela Mise en Scéne ficcional tem levado as pessoas a se encerrarem em um mundinho virtual orientado a acentuar as preferências prévias de cada usuário.

Assim, gera-se um micro universo virtual em torno de cada pessoa destinado a obter mais cliques, o que impulsiona o ganho monetário dos donos das redes sociais, ao oferecer aos anunciantes um público já prospectado, ou seja, pelo perfil mais próximo da marca ou dos produtos de cada grande empresa. O problema é que esse cubículo acaba por reforçar preconceitos e inverdades que cada pessoa está propensa a acreditar porque a rede social lhe oferece o mundinho feliz da ratificação daquilo que cada um está propenso a acreditar.

Os algoritmos não tem nenhuma orientação de evitar a circulação de mentiras pela internet. Pelo contrário, se essas mentiras gerarem mais cliques - e, portanto, dinheiro - para aquele usuário que o algoritmo tenta "seduzir", ele irá direcionar postagens, sites, e outras pessoas que acreditam naquela inverdade, dando à mentira um patamar de 'verdade' para essas pessoas. Verdade cada vez mais absoluta e inquestionável. Isso tem influenciado eleições com resultados catastróficos em todo o mundo, na medida em que candidatos exploram essa lógica, difundindo "notícias falsas" sobre si e sobre seus adversários.

Chegamos ao ponto de boa parte da humanidade acreditar que a Terra é plana ou de mulheres defenderem com unhas e dentes políticos machistas, por exemplo. Negros votando em candidatos racistas, trabalhadores aceitando ideias nas quais seus direitos serão diminuídos, e por ai vai. Fatos inverídicos serem tomados como verdadeiros por lógicas de absurdas teorias conspiratórias - como pessoas acreditarem que o Corona Vírus foi desenvolvido para derrubar os Estados Unidos como principal economia para a ascensão da China.

Muito pior, nessa linha, acreditarmos que o vírus é uma criação do mundo comunista feito para gerar pânico e derrubar o sistema capitalista ao promover um isolamento social "desnecessário"(!!!!!!). Seria uma doença sem grandes perigos e que o certo é não nos cuidarmos, continuarmos nossas vidas como se o vírus não existisse em prol da economia e da circularidade do grande capital. Veja como nesse sentido a Mise en Scéne de "O Dilema das Redes" promove uma fusão de 'real' e ' fictício' que está de fato sendo produzida na sociedade pela ação dos algoritmos a partir das redes sociais.

Dessa forma, a palavra de um cientista sobre um vírus, amparada em pesquisas, dados, informações, constatações com ferramentas profissionais de alta precisão, vale menos para mim do que a Fake News promovendo um reino imaginário e fantasioso. E por que isso? Porque a palavra do cientista é desfavorável ao discurso de meu político de estimação. Prefiro então me esconder no meu cubículo formado pelas redes sociais, aonde logo o algoritmo vai me fornecer alguma postagem com uma teoria conspiratória que, pra mim, vai fazer mais sentido do que um dado científico.

Efeito consolidado pelo (lucrativo) reforço dos algoritmos ao nosso mundo feliz aonde todas nossas opiniões são a verdade absoluta. A Mise en Scéne de "O Dilema das Redes" produz um efeito muito similar a esse mundo surreal que estamos vivendo hoje - narrativas do mundo da imaginação tomando o lugar do mundo real. Um efeito totalmente surreal.

Conclusões

O documentário "O Dilema das Redes" é, para termos da arte cinematográfica, um produto final audiovisual bem abaixo do que as possibilidades, o potencial, do cinema oferece. No entanto, tem uma mensagem trabalhada com um nível de criatividade razoável o suficiente para captarmos a mensagem que transmite e nos alertar de um perigo real. E às vezes, até essa qualidade artística inferior pode ter sido intencional.

Ao fornecer a informação de que "apenas aqueles que usam as redes sociais e os consumidores de drogas são chamados de 'usuários' ", somos levados a perceber a droga poderosa e avassaladora que pode se tornar em nossas vidas o simples hábito de pegar o celular e clicar em postagens e anúncios, revelando nossas preferências para algoritmos que as usarão para nos dar o mundo perfeito que concorda com todos nossos gostos e opiniões.

E que irá reforçar esse "país subjetivo das maravilhas" enquanto isso for lucrativo para as grandes corporações em ação no planeta. Não importa se levarão o ser humano para uma realidade próxima daquela prevista pelos filósofos e sociólogos da velha Escola de Frankfurt - uma sociedade mergulhada no caos da dominação do ser humano por si mesmo e pelas tecnologias que ele mesmo criou. 

Não importa se isso vai gerar um planeta aonde as pessoas acreditam que a democracia não é válida, aonde o assassinato de mulheres por motivo de machismo seja algo válido, ou aonde a morte de uma pessoa por exposição a um vírus perigoso seja algo "aceitável" porque o sistema não pode parar.            

Por outro lado, será que a exposição de documentários como este não é intencional para que gente como Mark Zuckerberg, dono do Facebook, digam lá na frente que estávamos todos cientes do que poderia acontecer ("tanto que alguns dos meus ex-funcionários fizeram um documentário como esse"). Até que ponto essa exposição feita por ex-funcionários do Google, do Instagram, e etc, não faz parte do jogo de cena que esse teatrinho constante dos grandes grupos dominantes no planeta nos levam a acreditar com único objetivo de que continuemos a aceitar nossa posição inferior?

Zuckerberg chega a aparecer no documentário sendo questionado por esses efeitos e sugerindo... adivinhem... um novo algoritmo que possa regular tudo. No fundo não estavam mostrando a imagem do figurão em algum nível "preocupado" com os efeitos negativos de suas redes sociais? E se, ao divulgar um documentário como esse "Dilema das Redes" apenas será um álibi lá no futuro pra dizer, "olha vocês sempre concordaram com tudo, nada foi feito sem o conhecimento de todos".

E se a exposição dessas verdades mostradas no documentário forem apenas uma verdade parcial, mais amena do que a verdade de fato? E se nos monitoram muito mais do que aquilo que está ali revelado? Difícil dizer. O mais certo é questionarmos sempre toda informação que nos chega, aproveitar essa dica valiosa que está no filme. Não precisa-se entrar numa paranoia aonde nada é fato, tudo é manipulado. Mas buscar um olhar crítico em tudo o que nos é "informado". Lembrar a quem interessa essa "informação" e se ela não é de fato uma grande mentira.

Afinal, o elemento da Direção de Arte de nossa vida real, o celular, é um 'vilão' que pode ser nosso 'aliado'? No fim o filme não está querendo que privilegiemos essa perspectiva positiva da tecnologia? E não o estaria fazendo, da mesma forma que um algoritmo, operando essa informação em nosso nível subconsciente? Afinal, sabem que já vivemos mergulhados nessas tecnologias e não vamos deixar de usá-las, de todas formas. Talvez queiram, com filmes, amenizar a visão negativa da lógica desumana e mercadológica que supostamente esses mesmos filmes dizem criticar. É uma possibilidade.     

Olhar crítico é necessário e útil sempre, inclusive em documentários como "O Dilema das Redes".
   
Paolo Gutiérrez é jornalista crítico amador de cinema.

               

Nenhum comentário:

Postar um comentário

UFOB ABRE VAGAS PARA BOLSA REMUNERADA E VOLUNTÁRIOS DO PIBIEX

Santa Maria da Vitória (Ba) - A Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) anunciou nesta quarta feira (24) a abertura de 41 vagas no Pr...